Num Seminário levado a cabo pelo Núcleo de Engenheiria Automóvel da ESTG do Politécnico de Leiria no dia 14 de abril, Filipe Albuquerque foi convidado de honra. Veio falar da sua história como piloto, desde o início nos karts, com 7 anos, até aos dia de hoje, como vencedor das 24h Le Mans e campeão do mundo de WEC.
Logo de início, abordou os karts e de onde e quando começou a sua paixão pelos carros. "(A paixão) Começou a ver os Grandes Prémios aos domingos e as grandes guerras do Senna e mais tarde um bocadinho de Schumacher, quando era em canal aberto. E depois o meu pai levou-me ao Kartódromo da Batalha, foi a primeira vez que andei de kart em que, apesar de ter andado super devagar, super lento, adorei a experiência."
Ainda no tema dos karts, explicou a sua importância nos dia de hoje, mais do que no início do desporto "Antigamente viamos um Fangio que foi campeão do mundo com quase 40 anos, hoje está tudo mais cedo. Se um piloto não chega à F1 com 21 anos, já está velho. É necessário começar no karting para fazermos vários km, várias corridas... por isso tudo vai dar-nos uma percessão, quando somos mais novos, que quando passamos para os fórmulas, que são menos corridas e as coisas são mais caras, dá-nos uma experiência que, se não tivessemos começado nos karts, já vamos tarde para ter o nível em que consigamos fazer a diferença."
O piloto de Coimbra teve de ir viver para Itália, em 2002, para continuar o seu sonho de ser piloto. Lá correu "contra os melhores do Mundo" e no ano seguinte, seria contratado por um construtor. Fez o campeonato da europa, o campeonato do mundo e o campeonato italiano "sempre numa esfera muito profissional". Com o passar do tempo, conheceu piloto com quem ainda hoje partilha a pista: "Os pilotos contra quem corrida entre 2002-2004, são os mesmo com quem corro neste momento, como por exemplo o Renger Van Der Zande, que estava em segundo em Daytona, eu corri com ele em 2003 na Fórmula A. O Edoardo Mortara, que corri com ele em 2002 no Open Italiano, ele ficou em 3º e eu em 2º, passado 8 anos mais tarde, foi meu colega de equipa no DTM. É engraçado porque vamos crescendo e os rivais são os mesmos."
Filipe falou também da passagem do karting para o profissional: "Ainda era karting, mas graças aos conselhos do Nuno Couceiro e do Pedro Couceiro, eu ainda estava a fazer o campeonato nacional, eles tiveram uma maneira de ver as coisas muito correta, que foi "Se queremos ser os melhores, em qualquer disciplina que seja, nós temos de nos comparar com os melhores do mundo", porque se eu continuasse sempre no Troféu de Leiria, um dia não iria acabar em 3º, eventualmente iria ganhar, mas iria ser o maio da região de Leiria, não ia ser o melhor do mundo porque eu nunca me tinha testado contra eles. E em 2002, quando fui ver o meu nível contra os melhores do mundo, o que é certo é que me adaptei bastante bem, ao tipo de corrida, como eram 100 karts por categoria, havia muita borracha na pista, pus-me fora da minha zona de conforto e testei-me contra os melhores do mundo. E isso permitiu-me fazer a escada até ao piloto profissional que sou hoje."
Durante a adolescencia, esteve com a Red Bull Team Junior e falou de como é diferente mudar de um um kart para um fórmula: " O primeiro teste que tive num fórmula, as primeiras voltas não foram nada fáceis. Num kart, uma pessoa usa muito o corpo porque o nosso peso é quase 70% da combinação do kart mais piloto, conseguimos compensar certas maneira de virar o kart ao mandar um coice com o corpo para ajudar a virar e nos fórmulas eu entrei no carro que tinha 2 cintos por cima e 2 cintos por baixo, ou seja, 6 cintos, eu só mexia os olhos. E nisso, na minha primeira volta eu senti que, se nem consigo respirar, quanto mais virar o volante. Não me agradou numa fase inicial, mas depois é como tudo, uma pessoa começa a entender como é que funciona, senti-me com alguma falta de confiança na situação de quando não consegui travar para a curva, não havia nada que pudesse fazer para compensar aquela velocidade, simplesmente somos um passageiro e vamos falhar a curva e vamos um bocadinho mais largo."
Em 2002, quando fui ver o meu nível contra os melhores do mundo (...) pus-me fora da minha zona de conforto e testei-me contra os melhores do mundo. E isso permitiu-me fazer a escada até ao piloto profissional que sou hoje
Na Race Of Champions, corrida anual que envolve os vários campeões e pilotos das categoria do automobilismo, Filipe Albuquerque participou e venceu a edição de 2009. Quando questionado acerca desse momento, afirmou que a mentalidade que teve no troféu de Leiria foi a mesma: "O meu pai dizia-me que já estavamos na frente no Trofeú de Leiria, vamos ver o nosso nível nos nacionais, onde andei a aprender e em 2002, como vos falei, fomos para Itália, onde estavam os melhores do mundo. E quando fui à corrida dos campeões, foi essa mentalidade, vamos ver como me adapto, qual é o meu nível, com todos os campeões de cada categoria, com carros iguais supostamente, com tempos de condução idênticos, achei interessante. O segundo dia foi mesmo pensar "eu vou-me divertir e dar o meu melhor". Eu tenho de fazer o meu melhor e estar feliz a fazer o que eu faço, porque isso vai ser a melhor maneira de dar o máximo de mim. O que é certo é que só perdi uma corrida, que foi contra o Loeb na final, mas à melhor de 3, eu venci duas vezes. Eu não pensei nas eliminatória, só no fim, "ah olha, eu ganhei isto", quando me caiu a ficha numa de o que é que eu estou a fazer, eu não sabia se era o Schumacher, se era o Loeb, se era o Vettel que estava ao meu lado, não me interessava. Era apenas: cai a bandeira verde, agora é ver quem chega primeiro à bandeira de xadrês."
Uns anos para a frente, Filipe entra no DTM, o campeonato de carros de turismo alemão, que hoje admite que, se pudesse mudar algo, não teria entrado nessa categoria, pois na altura, tinha a escolha entre WEC ou DTM: "Quando testei DTM pela Audi, testei bem. Mas, ao mesmo tempo, testei com o carro de Le Mans, que era o R15. Como andei bem nos 2 lados, eles perguntaram para onde eu gostava de ir, e eu disse que era para onde eles quisessem. Para já vais para o DTM porque ainda és novo. Se as coisas não correrem bem, não faz mal, podemos por-te em Le Mans. E, ao fim de 3 anos, quando Alan McNish retirou-se, surge uma vaga, e eles perguntam "Filipe, queres ir para Le Mans?" Depois de 3 anos difíceis no DTM, a caminhar para o quarto, eu sabia que com o mesmo engenheiro, com o mesmo carro, com tudo igual, não ia fazer diferença. Preferi sair e fui para a resistência e foi a melhor decisão que fiz porque estou super feliz a fazer resistência. Além disso, na resistência temos mais opções que no DTM, temos o WEC, a ELMS, a IMSA e só estes 3 já são grandes campeonatos em que há imensos lugares para correr. Senti que o DTM me estava a matar de certa forma porque os meus resultados não eram bons, eu admito isso e a Audi sabe disso e agora, voltanto atrás, se pudesse nem sequer ter ido para o DTM não teria ido. Mas lá aprendi muita coisa."
Na chegada à WEC, entrou no 3º carro da Audi, como que uma ajuda para ajudar o construtor alemão a vencer as 24h de Le Mans, sendo que participou em mais testes do que corridas. Estreou-se na ELMS para se adaptar aos carros e ganhar mais experiência. Albuquerque também deixou marcada a realidade de ser um desportista fora do mundo do futebol e a "guerra constante dos atletas que não pertencem ao futebol tentar mostrar as outras categorias" que também podem ser "muito competitivas".
Com o aproximar da atualidade, abordaram o ano de 2020 que levou o piloto português a vencer as 24h de Le Mans em LMP2 e o campeonato da WEC e da ELMS. Nas palavras de Filipe, foi "um ano de altos e baixos, para muita gente mais baixos pelas dificuldades que passaram. Eu fiquei em casa, muito triste como toda a gente, mas fiquei mais triste que muitas pessoas ou um piloto normal porque eu sabia que em 2020 eu tinha a oportunidade de ouro em que o meu colega de equipa, Phill Hanson, estava no pico da forma como piloto silver, que é obrigatório em Le Mans, na categoria LMP2, tinha um carro capaz, finalmente, de ganhar à classe. Eu tinha carro para ganhar de Le Mans, mas ainda tinha de lá ir. Eu não sabia que ia ganhar, mas tinha todos os ingredientes para isso."
"Depois começo a ver: pandemia, não vou poder fazer o ELMS, campeonato que gostava de ganhar e nunca tinha ganho e todas as provas começam a ser adiadas. Não acredito nisto. A oportunidade de ouro, que era agora, vai desaparecer. Tive sorte porque as corridas aconteceram, todas encima umas das outras, mas aconteceram. Preparei-me em casa, a pensar "OK, isto está a ser igual para toda a gente, vou ter de me preparar em casa para quando me deixarem sair de casa, agarrar a oportunidade com as duas mãos." Não estava a espera, eu sabia que era capaz de ganhar o ELMS, Le Mans e WEC, mas é muito diferente termos um carro ganhador em papel e ganharmos em pista, porque há sempre uma porca que se desaperta, uma acidente que acontece, há sempre alguma coisa que nós não controlamos. O que é certo é que ganhei tudo, foi inacreditável, tive a minha dose de sorte em várias corridas."
Depois de 3 anos difíceis no DTM, a caminhar para o quarto, eu sabia que com o mesmo engenheiro, com o mesmo carro, com tudo igual, não ia fazer diferença. Preferi sair e fui para a resistência e foi a melhor decisão que fiz porque estou super feliz a fazer resistência
Quando questionado sobre a sua reação por receber a Ordem de Mérito e o telefonema do Presidente da Repúblico, Filipe contou o que aconteceu nessa noite: "Quando cheguei a Portugal, perguntaram-me se eu tinha sido felicidade pelo Estado e eu tentei ser politicamente correto e disse que não sabia porque recebi imensas mensagens, mas acredito que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tenha mais que fazer do que me estar a felicitar em tempos de pandemia. Eu estava a dizer isto em pleno jantar, quando o meu telefone toca, e eu "agora não vou atender" e a Joana atende, atende! e eu assim ah, não vai ser o presidente agora às 20h30 e ela nunca se sabe, nunca se sabe! Atendi, com uma descontração como estão a ver aqui "tô sim?" "FILIPE! Parabéns, muitos parabéns!" e eu "obrigado, obrigado...hm... quem fala? "Marcelo Rebelo de Sousa" E eu "ai ai ai", ajeitei a camisa "Sr Presidente muito obrigado, isto foi muito bom para Portugal, obrigado..." entretanto, toda a gente à mesa, até as minhas filhas que estavam à minha frente, a meter uma batata na boca, ficaram paradas. E tivemos ali em conversa por 1 ou 2 minutos, desliguei e disse "Querem acreditar? Era o presidente a dar-me os Parabéns" "Oh, não era nada" "Era, não ouviste?" . Começamo-nos todos a rir da circunstância por estarmos a falar dele e ele liga-me e diz-me também "Temos de nos encontrar mais tarde" porque estávamos em confinamento e o Presidente iria começar a sua campanha para novo mandato. Depois também veio Daytona e foi tudo junto, já sabia que tinha intenção de me dar a Ordem de Mérito. Foi uma honra muito grande ter ido ao Palácio de Belém, privar um bocadinho com o Presidente e hoje em dia ver as minhas filhas, quando o vêem na televisão, "Olha, é o Presidente!", como se fosse o avô Marcelo.
De planos para o futuro, Albuquerque admite querer ainda ficar no mundo da resistência e tentar vencer as 12h Sebring que nunca ganhou, ganhar IMSA, que é o unico campeonato que falta, ganhar Le Mans à geral com os LMh e com um construtor. O resto? Logo se vê, porque "hoje somos um heróis, amanhã somos zero."
Segue uma fotogaleria do percurso de Filipe Albuquerque, desde o tempo com a Red Bull Junior Team até às 24h Daytona 2021.
Um enorme agradecimento ao NEAU pela iniciativa.
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